Reportagem acompanhou mulher em situação de rua por nove meses; seu filho nasceu junto ao governo Bolsonaro.
Na primeira sexta-feira do ano, Iriana começou a sentir uma dor forte na barriga e foi andando para o hospital público mais próximo, que ficava a um quilômetro da rua Sete de Setembro. “Gabriel, me ajuda!”, gritava o nome do sexto filho que levava na barriga, pouco antes de parir. “A dor só fazia aumentar, o povo achava que eu estava chamando o anjo Gabriel.” Alguma funcionária do hospital aparecia, de vez em quando, abria as pernas dela e olhava a.
Retornei para vê-la na manhã do sétimo dia no hospital e fui comunicada pela recepcionista de que Iriana tinha “evadido” sem fazer a curetagem. As outras pacientes disseram que ela não aguentou passar mais um dia sozinha, sem comer, estava chorando e morrendo de dor de cabeça.
O primeiro banho de Gabriel fora do hospital, com sete dias de vida, foi na lanchonete da rua. Iriana tinha guardado lá uma banheira de plástico que ganhou e conseguiu ferver um pouco de água. Ali mesmo, ela rasgou a embalagem da roupinha que o bebê usaria na alta da maternidade e vestiu o filho. Voltou para a calçada e ficou apresentando Gabriel aos seus conhecidos.
O atual parceiro [Josimar] é o pai de Gabriel, Leonardo, de 8 anos, Vitória, de 7 anos, e uma menina que morreu no parto, segundo Iriana por falta de socorro. A mãe de Josimar, Ana Maria da Silva, de 52 anos, cria sozinha os dois netos mais velhos, Vitória e Leonardo. O menino ficou com a mãe no abrigo por dois meses, depois passou seis meses na rua até que a avó paterna buscou com respaldo da polícia e do Conselho Tutelar.
Sem estar grávida, a rede de assistência social da capital pernambucana não tem muito a oferecer para a população que faz da rua moradia. Não tem restaurantes para alimentação popular ou gratuita, nem tem acolhimentos noturnos para dormir.
“Quero ser gente agora, coisa que eu nunca fui”, disse. Entrou em um curso de cabeleireira, pintou o cabelo de vermelho, fez as sobrancelhas. As olheiras fundas diminuíram, engordou um pouco. As minhas visitas frequentes também acabavam por mantê-la com o propósito de melhorar, pois eu demonstrava interesse na evolução. “Se não fosse tu, eu já estava desbaratada nas ruas”, afirmou, e me ligava para contar novidades ou perguntar quando eu iria vê-la.
Eles vivem em um barraco de dois cômodos na vila de Dois Unidos, periferia de Recife. Os netos dormem na cama de casal com ela, que tem ainda cinco filhos homens e jovens. Josimar é o mais velho. Quando ele cansa da rua e aparece em casa, dorme no sofá. As histórias de vida semelhantes entre as mulheres na casa serviam para uni-las, mas também eram motivo de atrito. O vício em drogas de uma atrapalhava o tratamento da outra, elas viviam entre recaídas e envolvimento com traficantes. Logo, surgiram desentendimentos até a briga ser feia e Iriana precisar sair “fugida” mais uma vez, cinco meses depois de ter dado entrada na Casa Recomeço.
Eu me deparei com Iriana dormindo no colchão e o filho acordado do lado. Aquele bebê deitado na calçada sinalizava que todas as políticas falharam mais uma vez. Era manhã de uma quarta-feira, a cidade estava movimentada. Tentei pegar Gabriel sem que ela percebesse. “Tu pensa que eu durmo é?”, acordou assustada antes que eu conseguisse tirar o menino do colchão. Teve a ideia de amarrar o pé dele no cordão do vestido.
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