O que emperra a implantação da jornada semanal de 4 dias no Brasil
"Uma redução dos dias de trabalho, respeitando os dias de descanso, e dentro dos limites de 44 horas semanais seria perfeitamente possível", disse Fluminhan.
E há a previsão de um descanso semanal, pelo menos uma vez por semana, preferencialmente — mas não obrigatoriamente — aos domingos. E o descanso anual, claro, as férias. "Se for para reduzir a carga e não reduzir salário, não tem nenhum tipo de problema [jurídico] para o empregador. O empregador pode chegar para seu funcionário e falar: 'vou lhe pagar o mesmo e você vai trabalhar só quatro dias por semana, e você vai ter de alguma maneira fazer tudo o que fazia em cinco dias, se virar na produtividade'", comenta o jurista Bruno Boris, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.
A advogada conta que, na prática, essa redução é praticamente impossível. Seu escritório atende a um grupo de escolas de idiomas e, conforme ela conta, é relativamente comum que professores peçam para ter a carga horária reduzida — aceitando um pagamento inferior, compatível com a nova escala — porque em determinado momento precisam de mais tempo para se dedicar a outras atividades.
"O empregador pode vir a ter problemas com equiparação salarial entre aqueles que façam a mesma função", ressalta a advogada Tatiana Ferraz Andrade, especializada em direito do trabalho e da previdência social.
"Para a frente, esse debate precisa ganhar corpo, junto a um pacto da sociedade, compreendendo que o emprego, o trabalho remunerado, é um direito de todos e o Estado precisa intervir para garantir isso", afirma. Fluminhan também não vê possibilidades de isso acontecer em breve. Mas crê que uma medida assim contribuiria para reduzir o desemprego, já que muitas empresas precisariam ter mais funcionários.
Contudo, o professor Fluminhan ressalta que, no Brasil, essa mudança poderia acarretar num efeito colateral: o aumento do duplo emprego, seja oficial, seja por meio de bicos. Fluminhan cita como exemplo o que já ocorre em algumas profissões com jornadas de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso — de atividades de segurança a saúde, passando por serviços de portaria: é muito comum que esses profissionais utilizem o tempo dilatado entre uma jornada oficial e outra para um emprego paralelo ou a prática de bicos.
"A redução de jornada está muito distante do nosso cenário. Pode ser que muitas empresas tenham interesse em promover isso, para segurar um excelente profissional, garantir a ele uma vantagem… Um motivo para manter um alto executivo… Mas a maior parte dos trabalhadores está distante disso", reflete a advogada Marques.
E a culpa não é da enrolação, das pausas para o cafezinho ou mesmo de qualquer sentimento de preguiça. Para ela, uma redução de jornada só será possível quando a produtividade for mantida em menos dias de trabalho. "No Brasil há um aspecto cultural muito forte em relação a acreditar que o trabalho de 8 horas, diário, é o certo. E trabalhar menos do que isso não seria adequado ou produtivo", comenta ele.
Ao observar o cenário empresarial, Boris constata que alguns segmentos teriam mais facilidade para se adaptar a tal mudança. "E essas empresas, aderindo ao formato, fariam disso um chamariz para novos empregados, uma vantagem, um benefício, como as empresas que dão seis meses de licença maternidade, enquanto o mínimo legal é de quatro meses", compara.
Fluminhan também entende que as empresas podem usar isso como marketing próprio. "Seria uma forma de melhorar sua imagem, utilizando um selo, ressaltando que elas fazem questão de que seus funcionários convivam mais com a família, aproveitem a vida e saibam usar o ócio, não vivam apenas o trabalho ostensivo", salienta.
Augusto Junior, do Dieese, lembra que, para que as empresas façam essa mudança de modo individual, "os mecanismos legais existem e são bem seguros".
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