Um novo estudo sugere que comer tarde à noite pode estar associado a um aumento dos níveis de glicose, independentemente do peso corporal ou da composição da dieta.
Nos últimos anos, graças ao trabalho de muitos divulgadores, à crescente evidência científica e ao desenvolvimento de ferramentas mais ou menos confiáveis como o Nutriscore, foram dados passos importantes na conscientização da população sobre a importância de uma alimentação saudável. Mas este, que sem dúvida é um grande salto de qualidade, pode não ser suficiente para proteger a saúde das pessoas. «Antes, em nutrição, falava-se no que se come ou como se come.
Agora, adicionamos também a variável do quando. É claro que, se se come mal, há pouco o que fazer. Mas se se come mal e ainda a uma hora errada, a repercussão para a saúde pode ser maior», afirma Marta Garaulet, catedrática de Fisiologia e investigadora da Universidade de Murcia. Considerada uma das mães da crononutrição, Garaulet é autora, entre muitos outros, de um dos artigos científicos mais citados do mundo na área das ciências da saúde. Não é de estranhar, já que foi o primeiro realizado em humanos a demonstrar que a hora da refeição mantinha uma ligação importante com a obesidade. Na investigação, Garaulet e a sua equipa demonstraram que as pessoas que comiam depois das 15h perdiam menos peso ao fazer um tratamento da dieta mediterrânica do que as que o faziam num horário mais cedo. Posteriormente, fizeram o mesmo num outro estudo com a hora da ceia. Aos participantes eram oferecidos espaguete com tomate e um banana para jantar. Durante uma semana, essa ceia era servida uma hora antes do horário habitual de irem dormir. Na semana seguinte, quatro horas antes. «O que vimos é que, efectivamente, a mesma pessoa, quando comia tarde, mais perto do sono, tinha uma tolerância à glicose muito menor», explica. Uma investigação recente liderada por investigadores da Universitat Oberta de Catalunya (UOC) e da Universidade de Columbia (EE.UU.), insistiu nesta tese ao demonstrar que consumir mais de 45% da ingestão calórica diária depois das 17h está associado a um aumento dos níveis de glicose. «O inovador do nosso estudo é que este efeito ocorreu independentemente do peso corporal, da massa gorda, da ingestão calórica total ou da composição da dieta», explica Diana Díaz Rizzolo, investigadora da Columbia. Para a professora da UOC, este dado é «importante», já que historicamente a associação entre comer tarde e piores marcadores de saúde tem sido atribuída ao facto de as tendências de estilo de vida das pessoas mais nocturnas serem menos saudáveis, com um maior consumo de produtos ultraprocessados, dietas mais calóricas e, portanto, maiores cifras de sobrepeso e obesidade: «Neste estudo, embora os participantes com ingestão tardia não tivessem diferenças no que toca à ingestão calórica total comparados com os que comiam cedo, os comedores tardíos mostraram maiores concentrações de glicose no sangue após uma prova de tolerância à glicose». Para Manuel Botana, membro da Área de Diabetes da Sociedade Espanhola de Endocrinologia e Nutrição (SEEN), o estudo adiciona novos dados à evidência já existente neste campo e representa um argumento mais para «tentar educar a população em hábitos higiénico-dietéticos adequados, como, por exemplo, que a ingestão de comida deve ser feita às horas corretas e não de forma errática». No entanto, coloca dois asteriscos ao estudo: o primeiro, o pequeno número de participantes. O segundo, que a investigação se concentra em pessoas com obesidade com pré-diabetes ou diabetes, “mas não existe um grupo controlo de pessoas com normopeso e saudáveis com quem comparar”. Discrepa neste último ponto, no entanto, Garaulet, que aponta que os seus estudos foram feitos com pacientes saudáveis e nos quais se verificou que a diferença entre jantar cedo ou tarde “é enorme, sem que o diagnóstico de obesidade ou diabetes tenha nada a ver”. Por que esta pior tolerância à glicose ocorre nas refeições tardias ainda não está claro, embora tudo indique que se deve ao desajuste que os atrasos nos horários de ingestão causam nos ritmos circadianos. «O nosso corpo tem um relógio central no cérebro que coordena muitas funções, como a libertação de hormonas e a forma como processamos os nutrientes, tudo baseado nos ciclos de luz e escuridão. Comer tarde à noite pode perturbar este relógio natural, afetando a forma como regulamos a glicose durante a noite», explica Diana Díaz Rizzolo. Segundo Garaulet, investigações recentes em tecido adiposo humano em cultivo demonstraram que às 00.00 horas da noite é quando há pior tolerância à glicose. Outros estudos apontam também, tanto em laboratório como em ratos, que quando há melatonina ―a hormona do sono― no organismo, ou seja, quando estamos na nossa noite biológica, o pâncreas apresenta dificuldades na produção de insulina
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