Este artigo explora a importância da escuta e da comunicação no exercício da medicina, destacando a necessidade de conciliar a ciência com a arte na prática médica. A reflexão aborda a dicotomia entre doença e enfermidade, a prática médica defensiva e a necessidade de humanização na relação médico-paciente.
A medicina, em sua prática, une a ciência que sustenta sua aplicação ideal com a arte que permite o exercício com humanismo. Contudo, essa profissão, sempre considerada uma das mais respeitadas, tem se distanciado de dois sentidos fundamentais que devem guiar sua prática: ouvir e falar. Ouvir as queixas do paciente, a razão de sua busca por atendimento, e oferecer palavras de consolo, é a ética que permeia o caminho médico.
Nesse contexto, dois conceitos se mostram cruciais: doença e enfermidade. Doença refere-se à anormalidade da estrutura e função dos órgãos e sistemas corporais, como um infarto. Não aborda, inicialmente, fatores pessoais, culturais, inscritos no código social ou no âmbito de crenças espirituais relacionados à saúde debilitada.Enfermidade, por outro lado, apresenta uma manifestação subjetiva do paciente, expressando-se através do seu sentimento de mal-estar. Doença é algo que um órgão possui; enfermidade é o que o ser humano sente. Podemos afirmar que a enfermidade é o que leva o paciente ao médico – o que ele sente. A doença é o que é constatado após a consulta. Compreender ambos os conceitos e conciliá-los é essencial para o exercício humanístico da medicina. O médico deve ouvir até mesmo o silêncio.Para uma prática médica eficiente e gratificante, é necessário que o médico compreenda e atenda a ambos os conceitos de forma similar.Dizer a uma pessoa que busca atendimento por apresentar um sintoma que ela não tem nada porque não há exames que o comprovem, é desrespeitar os dois princípios básicos da relação médico-paciente: ouvir e falar. A medicina está perdendo seu papel, tanto como ciência quanto como arte, que deve estar fundamentada nas melhores relações inter e intrapessoais. Existem diversos motivos para isso: o número excessivo de escolas médicas incapazes de formar adequadamente médicos; a visão mercantilista da profissão e a perda dos melhores conceitos de relações sociais.Saber ouvir é fundamental, pois significa dar ao paciente a oportunidade de expressar suas queixas, angústias e sofrimentos. Ouvir é um exercício de paciência, compreensão e acolhimento. Um estudo americano revelou que os médicos interrompiam a narrativa de seus pacientes após uma média de 11 segundos desde o início da fala! Nelson Mandela escreveu: “Se você falar com alguém em sua própria linguagem, você toca seu coração”.Atualmente, observa-se uma prática médica defensiva em que exames (às dezenas) supostamente substituem a boa prosa, a escuta atenta e cuidadosa. A essência da profissão, porém, reside no exame físico atento e na fala suave que transmite confiança, segurança e conforto, utilizando linguagem compreensível, elucidativa e clara. Essa abordagem aproxima o médico e o paciente na descoberta do ser humano que habita cada um. Preocupado com a situação da medicina atual, optei recentemente por abordar o tema por meio de um livro que analisa e propõe caminhos para superar os desafios.Escrevi o romance “Homem Médico” (Editora Novo Século), que retrata o prazer e a decepção, o fracasso e o sucesso na vida de um médico. A obra busca lançar luz sobre as sombras que pairam sobre a medicina, embora não seja direcionada exclusivamente aos profissionais da área. No prefácio, escrito pelo escritor e psiquiatra Augusto Cury, há uma reflexão: “Triste, muito angustiante, saber que a Medicina está cada vez mais racionalista, cartesiana, organicista, que despreza a complexidade do psiquismo humano e os fantasmas mentais, que assombram cada criança, jovem, adulto e seres de todas as idades”.Neste espaço “Letra de Médico”, utilizando o duplo sentido da escrita usual e incompreensível do profissional, há também a oportunidade de ponderar, juntar bem as palavras, dar-lhes o melhor sentido, apontando caminhos. Cabe-nos, conhecendo os caminhos, trilhar com empenho a favor da prática da medicina, com sua ciência e sua arte
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