Uma investigação do Jornal Nacional revela que milhares de brasileiros em São Paulo venderam seus registros de íris para uma empresa em troca de criptomoedas. A empresa alega que está criando um sistema de identificação biométrica, mas a prática levanta preocupações sobre a privacidade e a segurança dos dados.
Desde novembro de 2024, um número surpreendente de brasileiros, estimado em 500 mil, em São Paulo, aceitou uma proposta inusitada: venderam seus registros de íris. Nos últimos dois meses, dezenas de lojas surgiram na cidade, divulgando uma notícia que se espalhou como pólvora: tirar uma foto do seu olho e ser remunerado em criptomoedas. Valores que variavam, mas em média, atingiam R$ 600.
As lojas ficaram lotadas de pessoas ansiosas por receber o dinheiro, muitas vezes sem compreender totalmente o que estavam fazendo. \Uma equipe do Jornal Nacional abordou alguns dos usuários, buscando entender seus motivos e expectativas. A atendente Jussimara Santos, ao ser questionada sobre o motivo da escaneamento da íris, respondeu que não sabia. Quando questionada sobre o recebimento de dinheiro, confirmou que havia recebido R$ 244 em janeiro. \A empresa, World, explica que está criando uma forma de provar a identidade dos usuários no mundo digital, utilizando a íris e o rosto como indicadores biométricos. O processo envolve o download de um aplicativo, a visualização de um vídeo explicativo e a captura de imagens do olho, incluindo infravermelho. Posteriormente, um mapa 3D do rosto é criado. A empresa alega que a íris é transformada em código que não pode mais ser conectado com as informações pessoais do usuário e que os dados pessoais são apagados. No entanto, dúvidas surgem em relação à transparência da empresa. \A plataforma afirma que os usuários se voluntariam para enviar dados de imagem para aperfeiçoar o sistema, mas o termo de serviço declara que o código da íris deixa de ser uma informação pessoal do usuário, não podendo ser apagado. Também é mencionado que, em caso de ataque cibernético, os dados biométricos podem ser vazados, apesar dos esforços para evitar tal situação. \O advogado especialista em Direito Digital, Luiz Augusto Filizzola D'Urso, critica o termo de uso da empresa, apontando que ele é genérico e não explica claramente as intenções a longo prazo da coleta de dados. Ele questiona se a empresa, que está pagando em torno de R$ 600 para 500 mil usuários no Brasil, terá lucro algum com essa operação. entre os novos usuários do serviço, o Jornal Nacional não encontrou ninguém que conhecesse o propósito do aplicativo ou o que a empresa faria com os dados coletados. \A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou que a empresa suspenda o pagamento às pessoas que escanearem a íris. Waldemar Gonçalves Junior, diretor-presidente da ANPD, afirma que a operação não pode ser considerada voluntária em troca de dinheiro e que o consentimento precisa ser livre e sem contrapartida. Ele declara que a ANPD está buscando garantir a proteção dos dados dos cidadãos. \No entanto, a empresa recorreu da decisão. Damien Kieran, vice-presidente de privacidade da Tools for Humanity, empresa responsável pela coleta de dados, afirmou em entrevista ao Jornal Nacional que a empresa não está comprando imagens de íris, mas sim oferecendo uma oportunidade para os usuários participarem de um sistema que pode ser útil no futuro. Ele alega que os materiais de divulgação do serviço são completos e que a empresa está trabalhando para aprimorá-los com base no feedback dos usuários. \Kieran defende que o sistema funciona como um utilitário, que pode ser usado para desenvolver produtos e serviços, como câmeras de digitalização e aplicativos para a rede. Ele reconhece que, no momento, a utilidade prática do projeto ainda é limitada, mas acredita que isso mudará com o tempo.
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